Chamada para envio de artigos para o Dossiê ''História e ficção: hibridismos e reflexividade''

2024-07-21

Este dossiê tem como propósito geral discutir a relação entre história e ficção e as diferentes configurações históricas do problema. Interessa-nos perguntar sobre as interseções entre os discursos históricos e ficcionais, seus fundamentos específicos, suas diferenciações e também como essas relações se modificam historicamente. Sabe-se que a relação e as especificidades dos discursos histórico e ficcional são, por excelência, um problema moderno e contemporâneo. Ele se coloca, pelo menos, desde a separação entre história e ficção, com a definição de um estatuto científico da história e a procura de um estatuto próprio para o ficcional, nos séculos XVIII e XIX. No entanto, desde as décadas de 1970 e 1980, a Teoria da História e a Teoria da Literatura – com autores como Hayden White, Paul Ricoeur, Catherine Gallagher, Linda Hutcheon etc., ou mesmo com a própria literatura modernista e pós-modernista – têm problematizado essa separação e focalizado o que esses gêneros teriam em comum: são construtos linguísticos convencionalizados, intertextuais e que mobilizam dispositivos retóricos em suas representações da realidade. Nas últimas décadas, com a incorporação dos debates sobre memória, com as perspectivas pós-coloniais e decoloniais e com a produção de obras literárias marcadas pelo hibridismo formal e pela interseção entre o histórico e o ficcional, o debate sobre os limites entre história e ficção ganhou novo fôlego teórico e historiográfico. Nesse sentido, esse dossiê pretende abordar o tema geral da história e da ficção a partir de um recorte mais específico: o das produções marcadas pelo hibridismo das formas e dos gêneros literários, pela autoreflexividade e pelas novas performances do ficcional. Esse recorte se justifica pela sua atualidade e relevância no interior dos debates contemporâneos a respeito do estatuto do conhecimento histórico. De fato, de Hans Gumbrecht (1926: vivendo no limite do tempo, 1997) a Ivan Jablonka (Laëtitia ou la fin des hommes, 2016) ou Gloria Anzaldúa (Borderlands/La Frontera: The new mestiza, 1987), percebe-se a elaboração de obras com construtos historiográficos autorreflexivos, que reinterpelam as condições de possibilidade de representação do real. Por sua vez, obras literárias como as de Silviano Santiago (Em Liberdade, 2011), de Felipe Charbel (Saia da frente do meu sol, 2023) ou de Octavia Butler (Kindred: laços de sangue, 1979) têm performado, em meio a hibridismos entre o historiográfico e o ficional, as condições de possibilidade de se ficcionalizar a realidade histórica e suas (des)esperanças. Essas obras, a rigor, antes de esgotarem a questão, são apenas alguns casos tanto de experimentos com uma escrita formalmente híbrida e autorreflexiva como de performances contemporâneas do ficcional. Mais que tudo, elas indiciam como a história e a ficção têm alimentado, de maneira criativa, híbrida e reflexiva, os debates sobre o estatuto da realidade histórica, seja numa dimensão epistemológica (por exemplo: na relação entre a verdade e seus contrários – o erro, a mentira e o ficcional), seja em sua dimensão ética (com destaque para as formas de representação de eventos sensíveis e/ou personagens silenciados), seja ainda em sua expressão política (quanto às formas de configuração narrativa de experiências de revolta e/ou resignação, de apatia e/ou indignação, de violência e/ou de liberdade). Por isso tudo, esse dossiê acolherá contribuições que desenvolvam os aspectos teóricos e metodológicos de produções literárias e historiográficas marcadas pela autorreflexividade, pelo hibridismo formal e/ou pelas performances do ficcional na contemporaneidade. Serão bem-vindos artigos que pensem a relação entre a história e a ficção, em suas dimensões híbridas e autorreflexivas, através da análise de obras historiográficas e ficcionais específicas, desde que tomadas não como meras ilustrações de teorias pré-estabelecidas (num exercício mecânico de aplicação de conceitos), mas como potência pensante, capaz de renovar exercícios de teorização e de imaginação reflexionante. Também serão bem-vindas contribuições que abordem o conjunto das questões e temas aqui propostos numa perspectiva interdisciplinar, explorando as contribuições de áreas afins à História da Historiografia, como a Teoria da História, a Estética, a Teoria Crítica, a Teoria da Literatura, a Antropologia Literária, entre outras.